Almeida Santos (1926-2016).
Almeida Santos e a bravura do Exército Português
Se se fizer o cômputo das pastas ministeriais sobraçadas pelo Dr. António Almeida Santos, durante os primeiros tempos do regime ou regimes instaurados após a Revolução de 25 de Abril de 1974, é natural que se chegue à conclusão de que nenhum outro político português sobraçou tantas pastas como ele.
À guisa de metáfora, e parafraseando, ocorre-me, a este propósito, referir as palavras que Almeida Santos proferiu perante o Capitão Armando Marques Ramos e o abaixo-assinado, por ocasião de um encontro a três, em Lisboa, quando Almeida Santos era Ministro da Justiça, durante o primeiro governo constitucional. Ao perguntarmos-lhe se era muito complicado e trabalhoso gerir esse ministério, respondeu-nos, sorrindo, que se tratava de uma espécie de oásis, em comparação com as duas pastas que tinha sobraçado anteriormente: a de Ministro para a Coordenação Territorial, durante os quatro primeiros governos provisórios, e a de Ministro da Comunicação Social, durante o sexto governo provisório. Que ainda lhe sobejava o tempo para elaborar as leis destinadas praticamente a todos os outros ministérios, dado que a maioria dos indivíduos que estavam à frente deles pouco ou nada sabia de Direito e, por conseguinte, de feitura de leis. (Foi apoiado nestes vastos predicados de Almeida Santos e na sua rara habilidade para se movimentar como peixe na água por todos os meandros da coisa pública que o Capitão Ramos aproveitou a ocasião para proclamar que Almeida Santos era o Camões da Revolução, elogio que Almeida Santos saboreou sorridente.)
Ora sucedeu que chegou o momento em que Almeida Santos se deu conta de que o processo revolucionário em curso (que dava pela sigla de PREC) estava a avançar demasiado rápido e demasiado à esquerda, e de uma forma demasiado anárquica, para o seu feitio e para o seu gosto. E, sendo assim, Almeida Santos decidiu dar o salto para fora do governo. Aconteceu isso com a formação do X.º governo provisório, se a memória me não falha.
Porém, ficar sem pastas governamentais não significou, para Almeida Santos, ficar sem cargos públicos. É que, em virtude dos seus raros dotes para servir de pau para toda a colher, ou, dito de uma forma menos pedestre, de homem para todas as estações, à imitação, dentro do provincianismo lusitano, do Thomas Moore do filme Man for All Seasons, o Presidente Costa Gomes nomeou-o imediatamente para seu Embaixador Plenipotenciário. E foi nessa capacidade que Almeida Santos se deslocou a Nova Yorque, para discutir nas Nações Unidas a questão quente de Timor. (Aliás foi por essa ocasião que Almeida Santos, segundo viria a ironizar, muito acertadamente, o Professor Adriano Moreira, descobriu que também havia portugueses em Timor e aí se vivia portuguesismo.)
Aproveitando do estatuto de amizade e de camaradagem que o ligava a Almeida Santos, como beirões e como colegas na Universidade de Coimbra, Veiga Simão serviu-se dessa vinda dele a Nova Iorque para organizar um almoço num restaurante da 46th Street, em que participaram Almeida Santos, Veiga Simão, Seabra Veiga, Capitão Armando Ramos e o abaixo-assinado.
Portugueses da diáspora e imersos até à medula dos ossos no processo político português, já em fase de pre-conspiração, e ansiosos por saber novidades frescas sobre o que estava acontecendo na velha e saudosa Pátria, não das publicadas nos jornais, mas das saídas directamente, quentinhas, sem qualquer filtro, da boca de um "insider" privilegiado, no decorrer desse almoço, entre muitas outras coisas, perguntámos a Almeida Santos se finalmente iria haver um ajuste de contas entre os militares portugueses, especificamente entre os militares democratas e os militares esquerdistas que tinham tomado conta da revolução, em conivência e em parceria com o PCP (Partido Comunista Português).
Esboçado um vago sorriso e feita uma breve pausa, Almeida Santos pronunciou estas palavras, mais ou menos textuais: "Vocês estão muito enganados. Os militares portugueses não combateram em 1910; não combateram em 1928; não combateram em África; não combateram em 74; não combaterão no futuro." Tinha razão Almeida Santos, como os factos viriam a comprovar.
E mais disse Almeida Santos, durante esse almoço, numa tentativa de elucidar-nos, mais uma vez de forma metafórica, sobre os tradicionais e celebrados brandos costumes portugueses: "Vocês hão-de ver: os retornados que todos os dias carpem as suas tristezas e as suas desgraças na Praça do Rossio ainda um dia virão a saudar de chapéu na mão o Almirante Rosa Coutinho. Mais: Rosa Coutinho e Costa Gomes virão a morrer na cama, confortados com todos os sacramentos da Santa Madre Igreja."
António Cirurgião
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