sexta-feira, 10 de março de 2017

Balada da Praia dos Cães.

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Portugal Democrático, Editorial, «Os Dois Cadáveres», da autoria de Jorge de Sena.




Acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1962



Acordam em conferência, nesta Secção Criminal:
Mediante acusação do magistrado do Ministério Público foram jul­gados na comarca de Sintra:
João-Jacques Marques Valente, casado, médico, nascido na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, desta cidade e actualmente em regime de de­tenção;
António Marques Gil, solteiro, de 28 anos de idade, tendo servido no Exército Português como primeiro cabo, nascido na freguesia do Couço, Comarca de Coruche, actualmente em regime de detenção;
Maria José Maldonado Sequeira, separada judicialmente, doméstica, nascida em Dili, da província de Timor, moradora na Avenida Gago Coutinho, n.º 318, desta cidade;
Adélia de Jesus Maldonado Sequeira que também usa o nome de Adélia de Maldonado Sequeira, viúva, doméstica, nascida em Travancas, da comarca de Chaves, moradora na Avenida Gago Coutinho, n.º 318, desta  cidade.
Renée Marie Rune Marques Valente, viúva, doméstica, nascida em Mesmil - Le Roi – França, moradora na Rua Almeida Brandão, n.º 20, desta cidade, sendo condenados:
Os dois primeiros réus como autores materiais do crime de homicídio voluntário previsto no art.º 349.º do Código Penal e da contravenção do disposto nos art.ºs 41.º e 66.º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 319, e 241.º do Código do Registo Civil, respectivamente nas penas de 19 anos de prisão maior e nas multas de 300$00, 400$00 e 100$00 e 18 anos de prisão maior e nas multas de 300$00, 400$00 e 100$00, bem como, mas em responsabilidade solidária, na indemnização de 100 000$00 a favor do representante da vítima; Maria José Maldonado Sequeira, como autora dos crimes previstos nos art.ºs. 389.º e 349.º com referência aos n.ºs. 1.º e 2.º do art.º 23.º e n.º 1.º do art.º 106.º, todos do Código Penal e da contravenção do disposto no art.º 241.º do Código do Registo Civil, na pena de 18 meses de prisão e na multa de 100$00;
    Adélia de Jesus Maldonado Sequeira, como encobridora do crime previsto no art.º 349.º com referência aos n.ºs 1.º e 2.º do art.º 23.º e n.º 1.º do art.º 106.º todos do Código Penal, na pena de seis meses de  prisão, substituída  por multa à razão de 40$00 por dia;
Renée Marie Marques Valente, como autora do crime previsto no art.º 389.º do Código Penal e da contravenção do disposto no art.º 241.º do Código do Registo Civil, na pena de três meses de prisão, substituídos por multa à razão de 50$00 por dia e na multa de 100$00, pena esta que foi declarada suspensa, pelo prazo de dois anos; sendo ainda estas três rés condenadas, em responsabilidade solidária, na indemnização de 3000$00 a favor do representante da vítima.

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José Cardoso Pires

Porquanto:
Tendo a vítima José Joaquim de Almeida Santos, casado, então oficial do Exército, acompanhado do réu João Jacques Marques Valente, evadido em 30 de Novembro de 1959, do Forte da Graça, em Elvas onde se encon­travam detidos, o que conseguiram em consequência do auxílio ou colaboração que então lhes foi prestada pelo réu António Marques Gil, que naquele dia se encontrava de serviço no mesmo Forte, entraram os três em regime de clandestinidade e, mudando de residência com certa frequência, conseguiram, por intermédio das rés Maria José e sua mãe Adélia Maldonado, instalarem-se em Rio de Mouro da comarca de Sintra, numa vivenda deno­minada «Pino Verde», onde o capitão Almeida Santos, acompanhado da sua amante a ré Maria José Maldonado, passou a viver desde 25 de Fevereiro de 1960, enquanto os réus João Jacques e António Gil só para ali foram na noite de 13 para 14 do mês de Março do mesmo ano;
No dia 16 do referido mês de Março, seriam 20 horas, depois de prévia combinação entre os dois primeiros réus e aproveitando a ocasião em que o Capitão Almeida Santos, sentado num sofá da sala de estar daquela vivenda, lia uma carta que tinha recebido, o réu António Gil, usando da pistola de 6,35 milímetros de que se munira, de surpresa, à queima roupa e na intenção de lhe causar a morte, disparou sobre aquele Almeida Santos, um tiro cuja bala se foi localizar na região orbitária esquerda;
Em acto contínuo o réu João Jacques puxando do seu revólver de 7,65 milímetros, apontou-o contra o mesmo Almeida Santos, a curta distância deste e também na intenção de concorrer para a morte do mesmo, não se tendo disparado esta arma contra a vontade deste réu;
Então o réu António Gil disparou o segundo tiro contra a vítima quando esta já se encontrava prostrada de bruços sobre o soalho atingindo-a na face posterior do braço esquerdo, próximo do cotovelo;
Este gesto do António Gil foi seguido de um outro por parte do réu João Jacques que pegando na pá do fogão de sala, com a mesma agrediu violentamente o Almeida Santos, dando-lhe várias pancadas na nuca e servindo-se da pistola que lhe foi entregue por o António Gil, voluntariamente disparou a mesma contra a sua vítima, atingindo-a na parte média da região parietal;
Verificado por João Jacques que o Almeida Santos ainda não tinha sucumbido a estas agressões, o réu António Gil, na intenção de lhe consumar rapidamente a morte, disparou novamente a pistola contra o coração do mesmo;
Dos tiros disparados resultaram lesões que foram a causa necessária da morte do referido  Capitão Almeida Santos.
As rés Maria José e Adélia Sequeira ao ouvirem os primeiros tiros fugiram de casa para o quintal da vivenda, aonde o António Gil, na intenção de lhe consumar rapidamente a morte, disparou novamente a pistola contra o coração do mesmo;
Dos tiros disparados resultaram lesões que foram a causa necessária da morte do referido Capitão Santos.
As rés Maria José e Adélia Sequeira ao ouvirem os primeiros tiros fugiram de casa para o quintal da vivenda, aonde o António Gil as foi buscar para casa, presenciando então a Maria José que o Almeida Santos ainda se encontrava com vida, o que levou o João Jacques a verificá-lo e o António Gil a disparar a sua pistola por forma a atingi-lo no coração, como já ficou referida.
Em acto seguido à morte do Capitão Almeida Santos os réus João Jacques e António Gil, calçando luvas para obstarem à existência de impressões digitais, utilizaram um pano e um cobertor felpudo que lhes foram fornecidos pelas rés Maria José e Adélia e com eles procuraram vedar o sangue e envolver o cadáver;
Assim como auxiliados pelas mesmas rés rasparam e lavaram as manchas de sangue existentes no sobrado da sala de estar, agindo assim na intenção de fazerem desaparecer os vestígios do crime;
Consumado este e para efeito do desaparecimento do cadáver, o João Jacques, por intermédio da ré Maria José Maldonado, pôs-se em comunicação telefónica com sua mãe a ré Renée Marie, a quem pediu para se deslocar, a Rio de .Mouro, levando o automóvel da casa e para se fazer acompanhar do amigo particular dele João Jacques, de nome Fernando Augusto Albu­querque Mourão, então aspirante a oficial do Exército.
A mãe do réu João Jacques não se fez demorar, dirigindo-se no seu automóvel o Wolkswagen com a matrícula n.º ZE-24-06 e acompanhada do Fernando Augusto Albuquerque Mourão, a Rio de Mouro, onde só então teve conhecimento do executado crime.
A solicitação do seu filho a ré Renée Marie cedeu o mencionado automóvel para efeito de fazerem desaparecer o cadáver, e colocando este no mesmo automóvel, os dois primeiros réus, acompanhados de Fernando Mou­rão e de Maria José Maldonado, dirigiram-se para a praia do Guincho, sendo o veículo conduzido  por esta ré, e a1i os dois primeiros réus, auxiliados pelo Fernando Mourão, tiraram o cadáver do carro e conduziram-no para as dunas onde o enterraram numa cova com a profundidade de sessenta centímetros que os dois primeiros réus abriram.
Finalmente as rés Maria José e a sua mãe Adélia com a colaboração do réu João Jacques Valente e na intenção de fazerem desaparecer tudo que pudesse denunciar a presença do Almeida Santos, queimaram e ocultaram todos os documentos e medalhas a estes pertencentes.
Inconformados com esta condenação da mesma interpuseram recurso as rés Maria José Maldonado Sequeira, e Renée Marie Rune Marques Valente e o réu João Jacques Valente.
Do mesmo acórdão também interpôs recurso o magistrado do Minis­tério Público.
O Tribunal da Relação, negando provimento aos recursos interpostos  pelos réus, deu, em parte, provimento ao do magistrado do Ministério Público, agravando as penas aplicadas aos réus João Jacques e António Gil respectivamente para 21 e 20 anos de prisão maior, considerando os mesmos réus delinquentes por tendência.
 Com o assim decidido não se conformaram o excelentíssimo Procurador da República junto do Tribunal da Relação de Lisboa, nem os réus João Jacques Marques Valente, António Marques Gil e Maria José Maldo­nado Sequeira, que na conclusão das respectivas alegações salientam:
O excelentíssimo Procurador da República:
O douto acórdão recorrido violou os art.ºs 22º e 349.º do Código Penal quanto à ré Maria José;
Os factos levados à acusação definitiva servem a incriminação da ré Maria José pela cumplicidade do crime de homicídio;
O Tribunal da Relação não foi tão categórico como convinha quanto à intenção que a Maria José teve de consumar a morte do Capitão Almeida Santos, podendo bem aceitar-se que essa intenção deriva dos factos dados como provados;
Reconhece contudo como duvidosa a declaração da perigosidade dos réus João Jacques e António Gil, mas a manter-se, as penas aplicadas, devem movimentar-se dentro do escalão de 20 a 25 anos de prisão maior;
O douto acórdão recorrido violou ainda o disposto nos art.ºs 39º e 84.º e seguintes quanto aos réus João Jacques e António Gil.
 A ré Maria José Maldonado:
Insiste que a sua condenação não pode ultrapassar a cumplicidade quanto ao crime de ocultação do cadáver, mas quando assim se não entenda as circunstâncias dadas como provadas aconselham a redução do tempo de prisão, bem como, a substituição desta por multa.
O réu João Jacques Marques Valente:
Fazendo sobressair o seu comportamento anterior que o Tribunal Colectivo aceitou como bom, não pode o mesmo ser esquecido para o efeito da sua classificação como delinquente por tendência e que assim o acórdão recorrido violou o disposto no § 2º do artº 67.º do Código Penal.
O réu António Marques Gil:
As circunstâncias em que actuou permitiram-lhe invocar, sem êxito, a legítima defesa alheia e as atenuantes especiais dos art.ºs 370.º e 378.º do Código Penal ; não sendo ouvido o seu arrependimento;
O seu comportamento quer militar quer civil foi bom, senão, quanto ao primeiro, exemplar;
O seu comportamento contemporâneo ao crime é de considerar de absoluta correcção em relação aos restantes co-réus, e em relação à vítima procurou evitar o crime, exprimindo a ideia de fugir;
E posteriormente ao crime confessou os factos;    
E assim e nada revelou perversão ou malvadez que o faça considerar perigoso.
O excelentíssimo Ajudante do Procurador-Geral da República no seu parecer de fls. 1315 v.º, põe em dúvida a pretensão do excelentíssimo Procurador da República quanto à intervenção da ré Maria José Maldonado como cúmplice no crime de homicídio voluntário, mas manifesta a sua concordância com o pensamento do mesmo magistrado na parte em que o Tribunal da Relação considerou os dois primeiros réus como delinquentes por tendência, pronunciando-se no sentido de se tratar de matéria de facto tratar de matéria de facto que ao mesmo Tribunal não era dado alterar.
E neste pensamento admite o provimento dos recursos interpostos pelos dois primeiros réus, mas nega-o quanto ao interposto por Maria José Maldonado.
Tudo visto e conhecendo:
Quanto ao recurso interposto pelo excelentíssimo Procurador da República:
Pretende este magistrado que a ré Maria José Maldonado Sequeira seja condenada como cúmplice no crime de homicídio voluntário de que foi vítima o seu amante Capitão Almeida Santos.
Para êxito desta sua pretensão salienta:
O despacho de pronúncia contém os factos necessários para essa cumplicidade;
A ré Maria José testemunhando o atentado praticado pelos réus João Jacques e António Gil e descobrindo que o seu amante ainda estava com vida apressou-se a comunicá-lo àqueles.
Não merece contradição quanto à existência no despacho de pronúncia dos factos necessários à cumplicidade da ré Maria José, mas o mesmo não é de afirmar quanto aos actos praticados por esta.
O art.º 22.º do Código Penal, define:  
No seu número primeiro, de cumplicidade moral «os que directamente aconselham ou instigam outro a ser agente do crime, não estando compreendido no art.º 20.º do mesmo        Código;
No seu número segundo de «cumplicidade material » os que concorrem directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos que,  sem esses concurso, pudesse ter sido cometido o crime.
Da análise destes preceitos legais  surge a convicção que a cumplicidade moral resulta de factos puramente na vontade, do agente, enquanto a cumplicidade material se traduz em factos físicos, que manifestam da parte de quem os pratica a vontade de concorrer para o crime, como salientou Pereira do Vale nas anotações ao Código Penal.
Este jurisconsulto salientou ainda que a palavra «directamente» em­pregada no número primeiro daquele artigo, exige que o conselho ou a instigação seja determinado ou dado com consciência e eficaz ou  melhor, que sirva a reforçar ou auxiliar a determinação da vontade criminosa do  autor,     não bastando para constituir cumplicidade um conselho vago, consistente em palavras simples e  imprudentes.
Este pensamento caracteriza a cumplicidade pela prestação de auxílio ao crime por conselhos ou factos e localiza essa prestação em momento anterior à execução do mesmo.
 A atitude assumida pela ré Maria José ao entrar na sala onde teve lugar o crime, pode traduzir-se num conselho ou instigação dado com consciência e tendente a reforçar ou auxiliar a determinação da vontade dos réus João Jacques e  António Gil ?
É de precisar o facto dado como provado e respeitante à mencionada ré. Quesito 21.º, fls 1011: «Está provado que após o tiro disparado por João Jacques que atingiu a vítima na parte média da região      que após o tiro disparado por João Jacques que atingiu a vítima na parte média da região parietal direita, e quando este réu, António Gil, as rés Maria José e Adélia se tinham reunido noutro compartimento da casa, a Maria José voltou à sala de estar e de seguida voltando para aquele compartimento informou os restantes de que o Almeida Santos não estava ainda bem morto.





 
Mas esse facto passa-se depois de os réus João Jacques e António Gil terem deliberado matar o Capitão Almeida Santos e de iniciada a execução do seu plano criminoso com três tiros que atingiram a vítima, localizando-se um deles na região orbitária esquerda que logo o fez cair de bruços e outro na parte média parietal direita.
Sendo assim aquela expressão «O Almeida Santos não estava ainda bem morto» usada pela ré Maria José, não é de considerar como consti­tuindo reforço ou auxílio à determinação da vontade criminosa daqueles réus e podendo bem ser um simples desmentido à afirmação dos mesmos réus de que tinham morto o seu companheiro.
Estamos em presença duma comunicação consistente numa simples afirmação que poderá classificar-se de imprudente, mas nunca dolosa ou culposa sequer.
Falham consequentemente  os elementos  necessários para a existência da cumplicidade a que faz referência o excelentíssimo Procurador da Re­pública na sua aliás douta alegação.
Quanto ao recurso interposto pela ré Maria José Maldonado Sequeira:
Pretende a recorrente que a sua intervenção na ocultação do cadáver do seu amante, fique limitada à cumplicidade, mas quando assim se não entenda que a pena de prisão seja reduzida e convertida em multa.
Mas as respostas dada pelo Tribunal Colectivo aos pontos ou factos constantes dos quesitos  28.º, 32.º, 33.º, e 37.º, a fls. 1013, v.º 1014 v.º 1015 e 1016, denunciam por forma terminante que esta ré ao intervir na ocultação do cadáver do seu amante tomou a resolução de violar a lei e tomou parte na execução do facto, quer dando o cobertor para embrulhar ou envolver o cadáver, tomando parte nas conversas quanto ao destino a dar ao mesmo, dando a sua anuência a que fosse enterrado numa praia, quer ainda conduzindo o automóvel onde o referido cadáver foi metido, até à  praia do Guincho e para o efeito de ali ser enterrado, como foi.
Com estes factos a ré tomou parte directa na execução do crime de ocultação do cadáver, dando-lhe o seu concurso.  É certo que a ré não procedeu propriamente ao enterramento do cadáver, mas deu-lhe o seu concurso, praticando aqueles actos já referidos e tendentes à realização desse entendimento, o que é previsto no art.º 20º do Código Penal.
Quanto ao doseamento da pena:
O art.º 389.º do Código Penal estabelece a pena de três meses a dois  anos de prisão para aquele que ocultar o cadáver de pessoa que tenha falecido, em consequência de ferimentos, espancamentos ou outras formas corporais Por sua vez o art.º 84.º do mesmo Código, ao precisar o doseamento da pena entre os limites fixados por lei, manda atender à culpabilidade da delinquente tendo em atenção a gravidade do facto criminoso, os seus resultados, a intensidade do dolo ou grau de culpa, os motivos do crime e a personalidade do delinquente.
Quanto à personalidade do delinquente é de salientar que tratando-se duma senhora com 29 anos de idade, casada e com filhos, o Tribuna1 Colectivo na sua resposta ao ponto de facto constante do quesito 57.ºfls. 1021 v.º, negou-lhe o bom comportamento anterior.
Salienta porém a recorrente na sua alegação que o mesmoTribunal reconheceu que a ré sacrificou toda a sua vida ao Capitão Almeida Santos que lhe infringiu  constantes maus tratos.
Este seu procedimento que nada tem de moral, denuncia no viver da ré grande tendência para uma vida anti-social, tendência esta que melhor se assentava com o seu procedimento depois da morte do seu amante, cujo cadáver não dúvida fazer desaparecer, para que, jamais fossem encontrados vestígios do crime.
 E não se afirme que a ré confessou espontaneamente os factos que concorreram para a descoberta de outros criminosos.
Esta atitude da ré surgiu somente depois do aparecimento do cadáver do seu amante e quando detida por ser bem conhecido o seu amantismo com o Capitão Almeida Santos. Torna-se então difícil a situação da ré que em consequência das íntimas relações mantidas com o Almeida Santos, parecia denunciar não ser estranha ao crime de homicídio voluntário.
Foi esta situação que certamente conduziu a ré a descobrir os verdadeiros autores do crime de homicídio voluntário.
Estas circunstâncias comandadas pelo comportamento anterior da ré que não é bom, denunciam sem dúvida, que as instâncias fizeram o doseamento da pena que lhe foi aplicada, tendo em consideração os pressupostos do citado artº 84º.
Os réus João Jacques Marques Valente e António Marques Gil circuns­creveram os recursos por eles interpostos, à qualificação de delinquentes por tendência que lhes foi imposta pelo Tribuna1 recorrido.
O Tribunal recorrido revendo a prova de facto base de delinquência por tendência, concluiu ao contrário do Tribunal Colectivo, que a atitude destes réus na execução do crime por que vêm condenados, conduzia à classificação de delinquentes por tendência. Antes de mais é oportuno salientar que o § 2.º do art.º 68.º do Código Penal, ao considerar os delinquentes por tendência, salienta que não basta ponderar as circunstâncias executivas do crime cuja qualidade pode ser meramente acidental; é necessário avaliar não só os elementos directa ou indirectamente ligados ao facto criminoso, mas também os que respeitam à conduta do delinquente por forma a poder‑se caracterizar a sua personalidade e avliar o grau de perigo que ela representa; como já foi decidido por este Supremo Tribunal, entre outros, nos acórdãos de 17 de Novembro de 1948, 29 de Julho de 1959, Boletim, nº 10, pág. 159 e n.º  89, pp. 418 e 425.
O Prof. Doutor Cavaleiro de Ferreira ao analisar o preceito de lei contido no § 2.º do art.º 68.º citado, no seu livro, Direito Penal,vol. II, refere que o mesmo preceito de lei parece ter em vista os delinquentes propensos para o crime em relação aos quais se não verificam os pressupostos formais da habitualidade, propensão essa que deve arraigar-se na perversão e malvadez.
Esta perversão e malvadez prova-se naturalmente por meio de indícios ou sintomas de maior ou menor valor que a disposição legal enuncia:
O mesmo professor acrescenta:
«Não basta que o crime cometido seja em si malvado ou perverso;
é indispensável que se possa verificar a malvadez ou perversão ínsita na propensão para crime, na própria personalidade do delinquente».
Destes pensamentos sobressai que a qualificação dos delinquentes por tendência tem por base um conjunto de factos ou elementos a que não pode ser estranha a personalidade do delinquente.
O acórdão recorrido afastando-se do carácter legal dos factos, senão das relações dos factos com a lei, foi um pouco mais além apreciando os elementos de facto, em si, para extrair desta apreciação uma conduta diferente daquele a que chegou o Tribunal Colectivo quanto à perigosidade dos réus, ora recorrentes.
O Tribunal Colectivo na resposta aos pontos de facto constantes dos quesitos 44º e 44º -  fls. 939 e 999 -, declarou não revelarem os réus João Jacques e António Gil perversão e malvadez que os façam considerar gravemente perigosos.
Nesta sua afirmação teve o mesmo Tribunal em consideração, além dos meios empregados na consumação do crime, os motivos determinantes e o comportamento anterior dos réus.
É certo que os meios empregados, a insistência e a traição usada pelos réus na consumação do crime de homicídio, fogem da normalidade do criminoso, mas não é de esquecer que o réu João Jacques toma a iniciativa do crime dominado pela divergência de critérios quanto à condução das actividades políticas a que clandestinamente se dedicavam e mormente pelo receio de que o Capitão Almeida Santos denunciasse os amigos políticos dele réu, enquanto o réu António Gil toma a colaboração na execução do crime depois de solicitado pelo co-réu João Jacques.
Também merece relevância o bom comportamento anterior dos réus, ora recorrentes, dado como provado pelo Tribunal Colectivo.
Acresce que o assento deste Supremo Tribunal, de 29 de Julho de 1934, estabeleceu, relativamente à competência das relações em matéria de facto, uma competência relativa e por forma a só poderem alterar as decisões do Tribunal Colectivo da primeira instância em face dos elementos do processo que não possam ser contrariados pela prova apreciada em julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos.
Sucede que o Tribunal recorrido decidindo, como decidiu, quanto à perigosidade dos réus, ora recorrentes, ultrapassou os limites da sua competência, atingindo a do Tribunal Colectivo da primeira instância.
Mas quando assim se não entenda e se aceite que o Tribunal da Relação se baseou nos factos dados como provados pelo Tribunal Colectivo, para qualificar os réus como delinquentes por tendência, então não está certa a qualificação adoptada por aquele Tribunal, uma vez que o Tribunal Colectivo deu como provado serem os réus dotados de bom comportamento anterior e não revelarem perversão e malvadez que os faça considerar gravemente perigosos.
Estas circunstâncias que tribunais aceitam como matéria de facto senão elementos da qualificação legal respeitam à conduta dos réus por forma a poder-se caracterizar a sua personalidade e avaliar o grau de perigo que ela representa, elementos estes considerados no § 2 do art.º 68.º do Código Penal.
E assim é de considerar como legítima a censura a fazer por este Supremo Tribunal quanto à qualificação dos réus como delinquentes por tendência decretada pelo Tribunal da Relação, uma vez que e para tanto não tem necessidade de apreciar em si a matéria de facto.
Os réus João Jacques e António Gil executaram a morte do Capitão Almeida Santos voluntariamente iniciando-a por forma traiçoeira e quando a sua vítima se encontrava sentada num sofá, lendo despreocupadamente correspondência recebida; sendo os réus em número de dois, cada um deles tinha uma arma de fogo e estavam de pé, um em frente e outro de lado esquerdo do Capitão Almeida Santos;
O cabo Gil foi o primeiro a disparar a sua arma, atingindo a vítima na região orbitária esquerda, fazendo cair esta de bruços;
Acto seguido o réu João Jacques secundando o gesto do seu co-réu, não conseguiu atingir a vítima por arma se ter encravado;
Mas o António Gil, ao presenciar tal facto dispara segundo tiro, atingindo a vítima na face posterior do braço esquerdo, próximo do cotovelo;
Então João Jacques pegando na pá do fogão de sala agrediu com esta violentamente e por diversas vezes o Capitão Almeida Santos, atingindo-o na nuca quando este estava ainda de bruços sobre o soalho;
E verificando que a sua vítima ainda não tinha perecido usou da arma do seu co-réu disparando‑a sobre aquele, atingindo-o na parte média da região parietal esquerda;
Momentos depois o co-réu Gil disparou novo tiro atingindo a sua vítima no coração, dando-lhe morte mediata.
Agiram os réus depois de prévia combinação realizada poucas horas antes, na intenção de ocasionar a morte ao Almeida Santos, intervindo o réu Gil por solicitação do seu co-réu João Jacques, sendo este dominado para a execução de tal facto, pela divergência de critérios quanto à condução das actividades política que clandestinamente se dedicavam e pelo receio de que o Almeida Santos denunciasse os amigos políticos dele, réu.
Este procedimento dos réus na execução do crime de homicídio tem de ser censurado à margem da benevolência.
As rés Adélia de Jesus Maldonado Sequeira e Renée Marie Rune Marques Valente não interpuseram recurso da decisão do Tribunal da Relação.
Mas tendo em consideração o disposto nos art.ºs 663.º do Código de Processo Penal e porque as infracções atribuídas a estas rés são dependentes senão conexas, daquelas outras atribuídas aos recorrentes - réus nestes - autos - é de conhecer da decisão proferida pelo Tribunal da Relação respeitante às mesmas rés.
Foram condenadas a Adélia Maldonado, como encobridora do crime de homicídio voluntário, na pena de seis meses de prisão substituída por multa à razão de 40$00 diários e Renée Marie, como autora do crime previsto no art.º 389º do Código Penal e da contravenção do disposto no art.º 241 do Código do Registo Civil, na pena de três meses de prisão substituída por multa à razão de 50$00 diários e multa de 100$00, pena esta que foi declarada suspensa por dois anos, tendo em consideração os factos dados como provados e as circunstâncias que precederam, acompanharam e se seguiram a cada uma das infracções. Censura alguma há a fazer ao decidido por se ter observado os preceitos legais quanto ao seu enquadramento jurídico.
Nestas condições revogam o acórdão recorrido na parte que qualificou os réus João Jacques e António Gil como delinquentes por tendência e lhes agravou a pena respectivamente para 21 e 20 anos, mantendo assim a decisão proferida na primeira instância por ser a mais legal.
Quanto ao pagamento do imposto condenam a Maria José no de 600$00.
Lisboa, 2 de Maio de 1962.
Cura Mariano (Relator) – Eduardo Coimbra – F. Toscano Pessoa.

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