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Quando a Polícia Judiciária começou a investigar a rede de corruptores e corrompidos
envolvidos no mundo da arbitragem portuguesa a rede era já um polvo. Do artesanato dos
primeiros tempos, passara-se ao mais refinado profissionalismo. A empresa, altamente
lucrativa, mas sem nome ou registo comercial, movimentava, por semana, milhares de
contos. Isentos de tributação, o que ainda dava mais gozo... Reinaldo Teles era o
operacional. O Patrão era, obviamente, Pinto da Costa. E Jorge Gomes nunca se importava
de sujar as mãos e de dar a cara. Não era necessário mais ninguém nas operações especiais.
Era tudo muito claro: metade da aposta para eles, outra metade para os árbitros. Os "patos"
estavam sempre dispostos a entrar com muita massa, principalmente na recta final do
campeonato. Quando as provas principais se iniciavam, o estado-aior decidia logo quem subia
e quem descia, na certeza de que era nos escalões mais baixos que mais alto se ganhava. Eis
um bom exemplo do sucesso desta empresa sem nome: um clube da I Divisão investiu, no
final do campeonato, 50 mil contos para evitar a descida. O dinheiro foi entregue a Jorge
Gomes. Mas o clube desceu, pois por vezes a bola teimava em ser redonda. Ou, se calhar, foi
o Jorge Gomes que se esqueceu dos pagamentos.
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Começou no FC Porto nos anos 60 como dirigente do andebol, passando depois pelo
hóquei em patins e pelo boxe. Nessa altura era um simples gerente de uma empresa de
fogões. Chegaria a chefe do departamento de futebol apenas no final da década de 70, no
mandato de Américo de Sá. Tomou o poder e impôs a sua lei. Foi gerente de uma empresa
chamada Pincor do ramo das tintas, que terminou os seus desgraçados dias com avultadas
dividas á banca. Aliás como todas as empresas onde se meteu. Algumas de
electrodomésticos. Todas faliram. Devido ás muitas falcatruas que fez, incluindo passar
cheques sem cobertura, foi condenado e proibido de passar cheques e de constituir
empresas. Para deixar a empresa onde trabalhava, Pinto da Costa ainda teve que pagar sete
mil contos e ficou sem carro por uns tempos. O milhão e tal de contos das transferências de
Futre e Rui Barros tinha desaparecido sem deixar rastos e tinha deixado de...rastos PC, a
contas com a justiça, por cheques sem cobertura e penhoras a bens pessoais. Foi um
momento difícil, mas que não abateu o presidente, levando-o antes a pensar que o seu
negócio era o futebol. Esteve sem ir a Aveiro durante 5 anos por causa de alguns processos
por falências fraudulentas.
Os seus sócios dessas empresas tiveram que fugir para o Brasil. Mas a ele alguém lhe
pagou as dívidas. Alguns poderosos do Norte, como Belmiro de Azevedo, Artur Santos Silva,
etc. No princípio chegou a investir muito do dinheiro que tirava do FC Porto, nas empresas de
familiares seus mas faliram todas. Depois passou a ficar com tudo. Criou a Cosmos, agência
de viagens que lucrou imenso com as viagens dos clubes, obteve exclusivos com a Federação
que obrigavam os clubes a viajar nessa agência. Esteve metido no negócio da droga, com
Luciano D´ Onofrio(Aveiro Connection). Com a Olivedesportos fez muito dinheiro, como com
todos os negócios do FC Porto, vendas e compras de jogadores, corrupção de árbitros, etc.
Assim enriqueceu e tem hoje uma considerável fortuna.
Estudou num seminário, onde desde novo mostrou as capacidades que hoje lhe são
reconhecidas. Pinto da Costa passou a sua idade escolar num colégio onde imperava um
grande influência da religião católica e quando atingiu o liceu foi internado num colégio de
padres(Jesuíta). Dos mais prestigiados do Norte do País. Ali fabricavam-se verdadeiros
homens. Eram testados como cobaias para poderem enfrentar no futuro as mais adversas
contrariedades da vida. Uma das disciplinas era constituída pela defesa individual de cada
aluno perante toda a turma e, já nessa altura Pinto da Costa era o mais desenvolto no uso no
discurso, na sua capacidade de raciocínio rápido e retenção na memória de dados essenciais.
Inteligente e astuto como um verdadeiro jesuíta, bem cedo começou a demonstrar um
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grande sentido de chefia. Sabia como dividir para reinar, utilizando um ar cândido e
descomprometido quando algumas atitudes de má-fé lhe eram dirigidas. Atirava a pedra e
sabia como esconder a mão. Mas a sua verdadeira arma era a grande capacidade de trabalho
e a completa dedicação a tudo o que fazia. Chegou a pensar ordenar-se padre, e o director
do colégio apostava que , se ele seguisse essa carreira, iríamos ter o segundo papa
português. A sua postura, a sua forma de falar e de estar deram-lhe sempre um toque
clerical. A mesma mão que abençoava os amigos, empunhava a cruz onde ele havia de
crucificá-los. Cativava, fazia amizades com facilidade e sabia como as utilizar e destruir como
se nunca tivesse culpa de nada.
Sendo religioso não pensava sequer em trair a sua esposa. Mas quando foi iniciado por
Reinaldo Teles nas suas casas de sexo, tomou-lhe o gosto. Ficou viciado. Aliás a sua actual
mulher, da qual tem uma filha, é uma ex-prostituta que conheceu num dos bares de Reinaldo
Teles. Também usou anfetaminas durante algum tempo. Para aguentar as vitórias, o
fanatismo anti-mouros, a idolatria que os adeptos do clube lhe devotavam, a guerra que os
seus inimigos lhe moviam e as sessões diárias de sexo era preciso muito "speed".
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Empresário da noite, ex-campeão de boxe, dirigente desportivo. A sua fulgurante
ascensão no clube que sempre amou: chulo, pugilista, seccionista, segurança(capanga),
chefe dos capangas(mais tarde passou a ser Joaquim Pinheiro, seu irmão), amigo pessoal do
patrão, seu confidente e finalmente, único homem em quem ele confiava.
Em 1981/82 Reinaldo Teles, campeão nacional de boxe e na altura treinador, foi a
solução encontrada por Américo de Sá(presidente da altura), para controlar as agitadas
assembleias gerais. Ex-pugilista, brigão, chulo e nutrindo uma certa paixão por negócios
ilícitos, ofereceu-se para arrumar a casa e impor a ordem nas confusões programadas por
Pinto da Costa. Era treinador de boxe do clube e reuniu os seus rapazes para patrulharem a
sala, e o certo é que com alguns murros e cabeçadas acabou por conquistar o lugar de chefe
da segurança de Américo de Sá.Nessa altura, Pinto da Costa temia-o, porque não era um
brigão vulgar e muito menos um marginal estúpido e incompetente. Reinaldo Teles tinha um
espírito e uma personalidade muito idênticos aos de Pinto da Costa. Dava as ordens para
descascar á fartazana e depois surgia como o apaziguador, o bom rapaz que nada tinha a ver
com toda aquela violência. Pinto da Costa detestava-o, mas viu nele a solução para o futuro.
Reinaldo Teles era um ás a esgrimir os punhos, sabia avaliar com grande exactidão a
capacidade dos seus adversários, e quando não os podia vencer trazia-os para junto de si.
Um anjo, este rapaz que veio bastante jovem de uma aldeia transmontana para servir numa
tasca de um tio.
O estabelecimento estava aberto toda a noite, numa altura em que ainda existiam
poucas discotecas. E as que funcionavam em pleno estavam viradas para o alterno e a
prostituição. Mas R. Teles sabia que "putas e vinho verde" só combinam nas horas e nos
locais certos. Havia que tratar da vidinha. Ainda estava longe de ser o rei da noite.
Ajudava o seu tio pela madrugada dentro e vivia com entusiasmo as cenas de pancadaria
entre azeiteiros, putas e marginais. O seu sonho era um dia vir a ser como eles. Homens
valentes, com charme, e mulheres tratadas a pontapé a levarem-lhes o apuro da noite e o
que até tinham roubado ao prazer. Deu uma tareia a um chulo por causa de uma das suas
prostitutas, com quem perdeu a virgindade. Os dois estavam apaixonados.A prostituta
gostava do miúdo, era forte e atrevido, mas para ficar com ele tinha de pensar numa forma
de o proteger. Reinaldo tinha punhos, mas faltava-lhe a experiência. De súbito, veio a
solução. Ela tinha um cliente que era treinador de boxe do maior clube da cidade(Porto)e ialhe
apresentar Reinaldo Teles para o rapaz poder ir lá fazer uns treinos. Uma semana depois,
o tal treinador de boxe disse á prostituta que Reinaldo tinha futuro. A partir daí, quando as
coisas aqueciam na tasca do seu tio, R. Teles fazia uns treinos extra, passando a ser
conhecido e respeitado. Depois de fechar a tasca, aproveitava a boleia de um amigo e ia ter
com a sua amada prostituta, que atacava em Santos Pousada.
Reinaldo começou a somar êxitos no boxe e acabou por deixar o emprego na tasca do
seu tio para se colocar como segurança e porteiro numa casa de alternos. Foi aí que
conheceu a sua futura mulher, também puta (Luísa Teles, actual dirigente do FCP).
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Reinaldo Teles tinha-se tornado num dos chulos mais importantes da cidade e, com a
ajuda da nova puta, acabou por comprar o seu próprio estabelecimento. O rapaz tinha jeito
para o negócio, e a sua namorada tinha uma perspicácia tremenda para escolher as melhores
putas.Ambicioso, inteligente, hipócrita e já com algum poder económico, Reinaldo Teles tinha
apenas mais um sonho: ser campeão nacional de boxe. Ele era bom de punhos, mas havia
outros melhores.
Com algum sacrifício e habilidade, conseguiu chegar á fase que lhe permitiu disputar o
título. O seu adversário era poderoso e Teles não se podia arriscar a deixar fugir o seu sonho.
Sempre inclinado para negócios marginais, colocou logo em prática um plano diabólico. Ele
sabia que no boxe profissional a corrupção por parte de grupos marginais era uma prática
constante e quase normalizada, e num ápice resolveu o seu problema. Contactou o seu
adversário, negociou a vitória no terceiro "round" e um KO mal disfarçado deu-lhe a
oportunidade de saltar no ringue elevando as luvas em sinal de vitória.
Era importante para o seu negócio que os jornais noticiassem no dia seguinte que ele era
o novo campeão nacional de boxe. Aquele título significava respeito e medo. Os factores mais
importantes para quem quer gerir com tranquilidade uma casa de alternos e de prostituição.
Este fora o seu primeiro acto no mundo da corrupção, e Teles ficou fascinado com o poder do
dinheiro. Afinal, ele tinha feito um investimento altamente rentável. Pagou para conquistar o
título, realizou o seu sonho e duplicou a facturação no seu estabelecimento. Ninguém se
arriscava a criar conflitos na sua área de alternos e muito menos a deixar contas penduradas.
Os punhos de um campeão eram sempre temidos.
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Ex-jornalista e ex-bate chapas promovido á pressão como paga de favores no tempo da
sua meteórica ascensão como dirigente desportivo. Mestre na confecção de coisas miúdas,
destacava os jornais para o patrão, e ocupava-se dos famosos arquivos, usados para Pinto da
Costa arrasar os seus inimigos na comunicação social, aliados claro á sua boa memória. Jorge
Gomes foi corrido da SAD do FCP, por se ter zangado com Pinto da Costa e hoje trabalha
com José Veiga e colabora com o Sporting.
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INTRODUÇÃO.................................................................................................1
PERSONAGENS .............................................................................................1
ASCENSÃO DE UM SEMINARISTA................................................................5
TELES, REINALDO TELES ...........................................................................10
FINALMENTE, O PODER..............................................................................14
A GALINHA DOS OVOS DE OURO ..............................................................18
AVENTURA NO MÉXICO ..............................................................................23
A GRANDE ALIANÇA....................................................................................26
O OVO DE COLOMBO ..................................................................................31
O NEGÓCIO FLORESCE ..............................................................................35
NOVA ESTRATÉGIA .....................................................................................44
QUANDO UM VALENTE PERDEU A CORAGEM.........................................48
BOLAS AO POSTE........................................................................................52
A GRANDE APOSTA.....................................................................................56
PJ MORRE NA PRAIA...................................................................................60
A TRAIÇÃO....................................................................................................64
O DIA DO JUÍZO FINAL.................................................................................69
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Há 20 anos...
O Verão estava insuportável. O calor sufocava, e o futebol preparava-se para iniciar mais
uma época. Os jogadores, regressados de férias, vinham com pouca vontade de trabalhar. Os
dirigentes, esses, estavam mais atarefados do que nunca. Eram as contratações, o estudo
das novas directrizes e a organização dos respectivos departamentos o que mais os
preocupava. Mas as atenções estavam viradas para o maior clube da cidade(Porto).
Anunciavam-se grandes transformações para um novo mandato de Américo de Sá, um
dirigente de corpo inteiro cuja figura e postura se assemelhava á de um aristocrata. Educado,
afável, mas um tanto pretensioso, seguia uma linha directiva com mais de trinta anos. Nos
últimos tempos, as vitórias começavam a sorrir e até veio um título já esperado há muitos
anos. O clube estava a ganhar uma nova estrutura organizativa, fruto da revolução política
que anos antes tinha acontecido e o aproveitamento correcto das linhas de acção traçadas
pelos partidos apontavam para a regionalização e a descentralização do poder.
Alguns homens do Norte tinham ganho força nos mecanismos estatais e tentavam
implantar na sua região uma retaguarda de pressão para combater a tendência de esquerda
que vinha da região sul. O momento foi soberbamente aproveitado em toda a sua extensão e
teve como principal mentor José Maria Pedroto, o técnico mais conceituado do futebol
português.
O homem já tinha revelado, mesmo como jogador, uma inteligência invulgar e, logo que
tomou conta do clube do seu coração, procurou colocar um plano que noutros tempos se
tinha mostrado de difícil execução.
Para o acompanhar, escolheu elementos que já antes se tinham feito notar pela sua forte
dinâmica. O seu mais directo colaborador era Pinto da Costa, o homem que chefiava o
departamento e comparticipava em toda a estratégia por ele montada. Pinto da Costa moviase
habilmente pelos corredores do poder, possuía uma memória invulgar, e escrúpulos era
coisa que se não lhe conhecia. Hábil na utilização do discurso, atacava as suas vítimas com
uma certa ironia, mas não tinha contemplações para quem se lhe atravessasse no caminho.
Esta dupla era imbatível, mas perigosa. Ambos já tinham mostrado a sua intuição e
poder de manobra quando conseguiram ludibriar o poder que outrora vinha da capital e dos
clubes que normalmente dividiam entre si os prazeres da vitória. O certo é que do Norte
surgia um intruso a querer também saborear esses incomensuráveis prazeres da conquista.
Aquele título, ganho depois de tantos anos de luta contra as mais miseráveis injustiças, era
uma lança cravada em terras de Mouros. Um verdadeiro desafio àqueles que usavam e
abusavam do poder que possuíam. Mais do que tudo, tinha sido uma vitória do Norte. Os
populares rejubilavam com o feito, mesmo a gostarem de outras cores clubísticas. Pedroto
surgiu como um herói e passou a ser a bandeira dos humilhados e oprimidos. Lenine não
faria melhor.
Mas tanto Pedroto como Pinto da Costa sabiam o perigo que isso representava e
prepararam-se para enfrentar novos ataques. Era necessário ser duro na acção e lutar sem
contemplações contra o inimigo, mas o presidente do clube e os seus pares não possuíam a
estaleca necessária para os acompanhar nesta corrida louca contra a hegemonia da capital.
Américo de Sá mais parecia um aristocrata e no futebol os punhos de renda estavam a passar
de moda.
- Com o Sá, não vamos a lado nenhum!- choramingou PC.
- Ir, vamos. Mas quando atravessamos a Ponte da Arrábida já estamos a perder!- atirou
Pedroto, sempre mais pragmático e mostrando mais uma vez que era um homem que anda
sempre um passo ou dois á frente dos restantes.
Pinto da Costa, com a sua cara de bebé chorão e os óculos descaídos sobre o nariz,
sorriu e tentou imaginar a melhor forma de dar a volta ao problema. Havia que contar com
duas situações, antes do mais.
Pedroto era agressivo, competente e justo. Lutava como ninguém e por aquilo em que
acreditava e não se deixava "comer por lorpa", mas preservava os seus amigos e era incapaz
de trair quem se envolvesse com ele na acção.
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Tinha de se arranjar uma solução ajustada ao prestígio de Américo de Sá.
Todas as noites, Pedroto gostava de um joguinho e cartas, e o seu jogo predilecto era a
"ricardina". O local de encontro e de jogo era a tasca do Ilídio Pinto, também proprietário da
mercearia Petúlia. Nas catacumbas, uma nova fé clubística crescia, mas esta estava pronta
para soltar os leões sobre o dono do Circo...
Depois de uns copos e de uma conversa animada sobre futebol, a noite acabava sempre
na cave da mercearia com o tal jogo da "ricardina". Ilídio Pinto sofria como ninguém os
problemas do clube. O seu maior sonho era ser um dia director do departamento de futebol,
mas havia muitos mais candidatos para o lugar, e ninguém o levava a sério. E, que se
soubesse, o cargo não era prémio que saísse como brinde do bolo-rei. Mas a inteligência era
um dote que não contemplava o Ilídio. Lá que era um homem astuto, era. E lá que estava
cheio de dinheiro, disso também ninguém duvidava. E como estava sempre de bolsa aberta
para ir em socorro dos problemas do clube, havia que deixá-lo pensar que o sonho um dia se
iria realizar. A sua riqueza tinha como base muita poupança e o segredo roubado ao seu
antigo patrão da receita da broa de Avintes. Em poucos anos, apesar de ter a sua mercearia
noutra zona, transformou-se no "Rei da Broa de Avintes" e as vendas foram de vento em
popa. Os negócios estavam maus, a economia fraca, o País vivia tempos difíceis, e a broa de
Avintes sempre era barata e enchia os foles do estômago dos menos favorecidos. E a bolsa
do Ilídio.
A noite estava quente, e o ambiente alegre, mas PC chegou de semblante carregado e
fez um sinal de cumplicidade a Pedroto: - Porque é que está com um ar tão «saturno»?
Pedroto quase se desfazia numa gargalhada, mas Pinto da Costa, já habituado ás bacoradas
do Ilídio, respondeu com a ironia que lhe era habitual:
- É do tempo, e os astros não ajudam. Depois de ter dado uma palmada nas costas do
Ilídio, adivinhando-lhe as intenções, foi-lhe dizendo: - Vamos a uma partidinha!
O Ilídio não deixou de mostrar um sorriso rasgado de orelha a orelha. Era daquilo que
ele mais gostava. Não se importava de perder todas as noites. A broa de Avintes dava para
tudo. O importante era estar com os heróis que fizeram do seu clube campeão. Mandou
fechar a loja, meteu o apuro do dia no bolso e foi de imediato buscar as cartas. PC
aproveitou a ausência e contou a sua estratégia a Pedroto.
- A melhor forma de conseguirmos levar em frente o nosso plano, é convencermos o
Américo de Sá de que o futebol no clube tem de ser totalmente autónomo. Ou seja ele gere o
clube e nós tomamos conta do futebol.
- Por acaso não lhe fica nada mal o papel de corta-fitas. Como é que vamos fazer isso? -
perguntou PC largando um sorriso cúmplice.
- Ele é capaz de não aceitar essa situação com tanta facilidade. Entretanto , o Ilídio
chegou com o baralho de cartas, e ouvindo as últimas frases, perguntou com um ar de quem
não está a entender nada.
- O Américo Tomás vai voltar? Pedroto piscou o olho a Pinto da Costa e mudou o tema á
conversa.
- PC, é desta que vais jogar a «ricardina»?
- Bem sabes que jogo de cartas não é comigo. Os meus jogos são outros.
Chegaram outros convidados para uma partidinha e começou o saque ao Ilídio. Irritado
com tanta falta de sorte, o dono da mercearia só via na sua frente o desfiar dos naipes que
lhe tinham tocado. Pinto da Costa assistia impávido e sereno ao baralhar das cartas e á forma
como eram distribuídas. E pensou: «Um dia serei eu a distribuir o jogo». Algo aborrecido,
levantou-se e aproveitando o entusiasmo do Ilídio, subiu á mercearia e começou a retirar
alguns chocolates das prateleiras. Voltou a descer e, com o à-vontade que lhe era peculiar,
distribuiu algumas tabletes pelos jogadores. O Ilídio também se serviu, sem dar conta que as
mesmas lhe foram roubadas, tal o seu entusiasmo pelo jogo.
Pedroto riu-se, e os presentes também não se contiveram. O Ilídio parece ter acordado e,
dando uma dentada no chocolate, pensou em voz alta:
- Vocês estão a rir-se muito, devem ter bom jogo. Mas não faz mal, a minha sorte também
há-de chegar. A sorte só lhe chegou no dia seguinte com a venda de mais broa de Avintes.
No final do joguinho de cartas, Pedroto convidou PC para uns fadinhos. Sempre era um sítio
recatado para uma conversa a dois. Já só faltava um dia para que a equipa de futebol se
apresentasse e nada estava definido em relação à chefia do departamento de futebol.
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- O Américo de Sá já me convidou para continuar, mas temos de ter mais poder para fazer
frente aos mouros.
Pedroto era um homem de soluções rápidas e não esteve com meias medidas, lançando a
sua proposta a PC.
- Amanhã vais falar com o homem e dizes-lhe que aceitas continuar no cargo, mas com
algumas condições, e aproveitas para expor o teu plano. Não tenhas problemas, porque o
título ganho deu-nos uma tal força, que é difícil haver gente com coragem para nos derrubar.
Confiante nas palavras do "mestre", PC marcou encontro com Américo de Sá e colocou-o
ao corrente do seu plano. Américo de Sá mostrou-se desconfiado e delicadamente disse
"talvez sim", o que bem podia ser traduzido por "certamente que não". E para que Pinto da
Costa não ficasse com dúvidas, o presidente fez mesmo questão de precisar:
- Mas, para já, se quer ficar com o departamento de futebol, fica, embora nas condições
anteriores.
PC não estava a contar com aquela resposta e ficou lívido de raiva. Bateu com a porta e
saiu, pensando na velha máxima de Júlio César que era para si o referencial da vida: "Antes
ser o primeiro numa aldeia que ser o segundo em Roma".
Pinto da Costa telefonou de imediato a Pedroto e colocou-o ao corrente da situação.
- Temos que nos encontrar com urgência para sabermos o que vamos fazer amanhã.
Pedroto tentou colocar alguma água na fervura e tranquilizou PC.
- Vem já a minha casa, para elaborarmos a estratégia para amanhã.
em pouco tempo tudo ficou gizado. Os tempos do PREC ainda estavam bem vivos, e se o
Américo de Sá se julgava importante, iria ter de se vergar ao poder popular.
Dizia PC:
Tem calma. Essas coisas não se tratam dessa forma. Em primeiro lugar vamos fazer um
comunicado e amanhã revolucionamos isto tudo.
Nessa noite voltaram a encontrar-se na Petúlia para afinarem a estratégia. Mas como não
se sabia muito bem no que é que aquilo tudo ia resultar, era melhor colocarem Ilídio Pinto no
plano, estabeleceu PC. Pedroto reagiu pela negativa.
- Deixa o Ilídio em paz, porque ele ainda é capaz de nos estragar a estratégia.
- Estás doido. Vamos só dar-lhe um cheirinho. Nunca se sabe se vamos necessitar de
dinheiro, e se for caso disso, onde é que o vamos buscar?
Pedroto hesitou, mas acabou por concordar. Convidaram o Ilídio para a reunião e
contaram-lhe apenas algumas peripécias do plano. O Ilídio revelou-se eufórico, como quando
lhe saía bom jogo. Era mesmo aquilo que ele queria. O Américo de Sá não ia aguentar este
ataque e abandonava o clube. O Pinto da Costa passava a presidente, e ele realizava o seu
velho sonho: tomar conta do departamento de futebol.
O Ilídio até foi mais cedo para a cama, depois de ter dito ao Pedroto e ao PC que podiam
contar com tudo o que necessitassem. Mesmo dinheiro, a quantia que fosse necessária. Logo
que chegou a casa, não resistiu. Tirou a bata de trabalho e foi ao roupeiro escolher o seu
melhor fato. Vestiu-o, colocou uma gravata, foi a uma pequena gaveta da cómoda e retirou
uma braçadeira com uma inscrição bordada a branco: «delegado ao jogo». Passeou-se um
pouco no quarto de cabeça erguida e começou a gritar para a mulher, que já estava a
dormir:
- Levanta-te que isso não é nada. Vai à esquerda. Vai lá, corre. Corta, passa, chuta que é
golo! A mulher acordou estremunhada e, vendo o Ilídio naqueles propósitos, logo pensou:
«Ai que o meu Ilídio ficou maluquinho!»
- Mulher, estás a ver um futuro delegado ao jogo! Amanhã vai haver um golpe de estádio
e ninguém mais nos vai poder parar.
A Dona Virgínia, sem perceber o que se estava a passar, pensou: «E mais uma das
maluquices do meu marido». E virou-se para o outro lado, voltando a adormecer, pois, de
manhã, bem cedinho, tinha que estar no seu posto a fabricar a broinha.
Pedroto foi o primeiro a entrar no estádio e logo que os jogadores chegaram fez uma
reunião e contou-lhes o que se estava a passar.
- Rapazes, se queremos continuar a ganhar, a conquistar títulos e a criar fama, temos de
manter o grupo unido. Fomos nós que conseguimos realizar o sonho de conquista do título e
não queremos ficar por aqui. Tenho a informar-vos que o nosso presidente, Américo de Sá,
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excluiu o Pinto da Costa do departamento de futebol e, sendo assim, não trabalho com mais
ninguém. Fora a ditadura e os incompetentes. Unidos ninguém nos vence.
Um dos jogadores, atento e entusiasmado com o discurso, ainda esboçou a palavra de
ordem:
- Os jogadores unidos jamais serão...
Atento, Pedroto travou o entusiasmo do jogador.
- Alto aí! Por esse caminho não, porque às tantas ainda dizem que somos comunistas, e
isto não é um golpe de Estado. Isto é apenas um golpe de estádio.
O Ilídio não perdeu pitada do que estava a acontecer. Entusiasmado com a possibilidade
de poder realizar o seu velho sonho de chefiar o departamento de futebol, subiu a um banco
e apoiou Pedroto:
- É isso mesmo. Isto não é um golpe de Estado, é um golpe de estádio.
Pedroto retirou o chapéu que lhe encobria o «capachinho», fez deslizar os dedos pelos
poucos cabelos de que ainda era proprietário, enquanto pensava na melhor forma de fazer
sair o Ilídio, para que a bronca não fosse ainda mais longe. Pediu então a todos os presentes:
- Gostava de ficar agora sozinho com os jogadores e a equipa técnica. Ó António, pede
aos restantes que saiam!
Novamente na posse do comando da situação, Pedroto explanou as linhas mestras do seu
plano, como se estivesse apenas a dar a táctica para o próximo jogo:
- O Américo de Sá não tem o direito de travar a caminhada gloriosa do nosso clube. Nós
assumimos uma grande responsabilidade para com os nossos associados e não podemos
desiludi-los. Neste momento, não há outra alternativa. Ou ele ou nós e nós somos a
verdadeira glória do clube. Somos os únicos capazes de lutar contra os mouros, de os
derrotar novamente, como fez D. Afonso Henriques.
O ambiente voltou a aquecer, e o entusiasmo da maior parte dos jogadores tomou conta
da situação. Discutiu-se a melhor forma de enfrentar o problema e ficou acordado escreverse
um comunicado para entregar á Imprensa, dando-lhes conta da situação. Um dos
jogadores ainda disse:
- Quem vai buscar uma folha de papel?
Mas Pedroto apressou-se a acrescentar:
- Não vale e pena. Dormi toda a noite sobre o assunto e por acaso até já trago aqui o
comunicado feito. Alguns jogadores ficaram desconfiados. Aquilo mais parecia um golpe de
uma organização comunista. Trabalhadores a quererem tomar conta das empresas tem dado
mau resultado. Resolveram logo pôr em causa aquela acção. Houve alguma discussão no
balneário e, como a maioria estava de acordo, resolveram encostar a direcção á parede. Ou
aceitavam as condições de Pinto da Costa, ou vamos todos embora. Mas o tiro saiu-lhes pela
culatra. Américo de Sá não se deixou abater pela intimidação e não aceitou as exigências. O
escândalo rebentou.
Só quatro jogadores ficaram de fora da situação e alinharam com Américo de Sá, os outros
foram para a mercearia do Ilídio Pinto.
Os grupos de pessoas com influência no clube dividiu-se. Se era verdade que tanto
Pedroto como Pinto da Costa tinham feito uma autêntica revolução no futebol quando
ganharam o título, também não era menos verdade que não estava certo que se
aproveitassem da situação para assaltar o poder.
Moviam-se nos bastidores os mais variados tipos de influências, porque acima de tudo
estavam os mais elementares interesses do clube. Os prejuízos podiam ser desastrosos,
estavam a perder-se dias de preparação, o campeonato estava á porta e a equipa iria
ressentir-se disso se o braço de ferro não terminasse. Sob o comando de um preparador
físico, os jogadores treinavam-se nas ruas da cidade e no final cada um ia tomar banho a sua
casa. Era o descalabro. Nunca antes se tinha assistido a coisa igual.
Estava na hora de o Ilídio entrar em cena. Reuniu-se com Pedroto e PC e perguntou-lhe o
que é que podia fazer para ajudar. Sentiu-se de imediato um brilho nos olhos de PC. Estava
ali a resolução para parte do problema.
- Precisamos de dinheiro para pagar o estágio aos jogadores. Vamos mandá-los para
onde ninguém os encontre. Assim, eles podem trabalhar em paz, até que tudo isto se
resolva. Temos também de lhes garantir os vencimentos no final do mês. Ilídio, você arranja
dinheiro para fazer face a estas despesas?
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O Ilídio gostava de se sentir útil. Era ele que ia
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