quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015


CARLOS GUERREIRO, O ENCADERNADOR DO BAIRRO ALTO
Rua de São Boaventura, Nº 4-6 - Lisboa
(mapa)
Só duas coisas se devem julgar pela capa. Um super-herói e um encadernador. E o encadernador que eu descobri nesta pequena oficina do Bairro Alto tem qualquer coisa de super-herói.

Ora imagine-se o parênteses…
Chega-se o pseudo-intelectual com uma primeira edição dos Lusíadas (coisa catita encontrada lá no Club Med de Ceuta, esquecida algures por El-Rei tadinho) e diz:

- Ó Sr.Carlos, tenho aqui este calhamaço que vai ficar lindamente em cima da mesinha da sala, ao lado do bric-à-brac vintage e dos dvd’s do Fassbinder. Mas preciso que me apare aqui as páginas e que me faça uma capa nova, assim meia retro. Pode ser?

Ao reconhecer tal exemplar da Raça, em mãos tão ignorantes, Carlos Guerreiro informa imediatamente que isso seria pior que bater n´avó. Os livros devem sempre manter-se originais. Devem, obviamente, ser restaurados mas se de facto se quiser qualquer coisa que faça “pandam” com a decoração, pode sempre fazer-se uma bonita caixa para pôr o dito.

Resultado, o fulano sai de lá todo satisfeito com uma caixinha laroca e o Camões já pode dormir descansado.

Fecha parênteses.

Carlos Guerreiro é um daqueles profissionais à moda antiga, cheio de bons adjectivos. A velha oficina tem mais de 70 anos e Carlos veio para cá ainda garoto… já lá vão 3 décadas.

Nos entretantos, restaurou livros famosos para a Torre do Tombo, encadernou enciclopédias para condes e marqueses, livros de honra para presidentes da república, álbuns para partidos e clubes, ementas para restaurantes, cartões pessoais (daqueles que se trocam, riscando o cargozinho) e por ai fora. Além de ser, seguramente, um dos melhores na sua área, Carlos é também um grande artista na arte de gravar e dourar encadernações, criando maravilhosos exemplares.

Se lá for, ele mostra-lhe tudo. As prensas antigas, as letras de tipografia, os bronidores, os compenedores, os vazadores, os ferros para dourar, as antigas ferramentas, as peles e o ouro fino.

Além de anos de sabedoria e apuramento técnico, Carlos é ainda um conservador ecológico, fazendo os seus próprios produtos com ingredientes naturais. Por falar nisso, nada como levar umas cervejinhas para acompanhar a conversa. Mas cuidado! Se for visitá-lo arrisca-se seriamente a passar uma tarde na cavaqueira porque, para além de um grande artesão, Carlos é genuinamente simpático e generoso. Ou, como dizia o seu Mestre:

"Um bom homem. Pena é ser sportinguista."





























CASA PÉLYS
Rua Tomás da Anunciação, Nº62 - Lisboa
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Era uma vez, nos tempos em que se vendiam belos livros científicos sobre a hiperactividade de uma garota chamada Anita, um artístico fotografo de bairro. Era aqui, na Foto Pélys, que se vinha deixar a alma, a preto e branco ou tecnicolor, em cenários tão mimosos como as aventuras da dita menina, que afinal era belga e se chamava Martine. 

Os anos foram passando. As crianças, que ali iam fazer o retrato, ajoelhadas no banquinho da primeira comunhão, cresceram e a Anita foi para a Albânia, mudou o nome para Zana e decidiu comprar uma maquina fotográfica. 

A loja fechou...

Agora lia-se "Fim" em letras bem desenhadas mas eis que surge um casal de super-heróis-livreiros, a Helena e o Claúdio, cujo poder é recuperar o passado e, em menos tempo que leva a descobrir o nome que a Anita usa quando vai à Eslovénia (Marinka), decidiram re-abrir a velha loja, mantendo o mesmo nome, coisa que como já se reparou é impossível à tal da Anita, que quando vai aos Estados Unidos, só responde se a tratarem por Debbie.

E eis a bela Casa Pélys, dedicada agora ao comercio de alfarrábios, em edições catita que prometem tornar elegante qualquer estante ignorante, assim como variadíssimos artigos vintage, que é como quem diz, dos tempos em que todos éramos uns petizes, aprendizes e felizes, e achávamos que a Anita se chamava Anita e não Martita, como em Espanha. 

Agora, não há cá promenade por Campo de Ourique, sem uma visita a esse curioso gabinete, onde se pode encontrar quase tudo: máquinas de escrever para novos Kafkas de café, a romântica mala de picnic para repastos cinematográficos, um maravilhoso armário com tudo para realçar a mulher Art-Nouveau que há em si (as plumas, o turbante de veludo vermelho, os binóculos para cuscar os outros camarotes ali no São Carlos), telefones de verdade para conversas serias, extraterrestres de olhos azuis doidos por regressar a casa e ratos orelhudos italianos.

É por tudo isto que é bom encontrar coisas que mudam, para não acabar, como a quase sexagenária Mapuka, quero dizer Cristina, que é como quem diz Mimmi, Tiny, bem, a Anita...

A Anita que tanto foi à Casa Pélys que lá acabou por ficar. 


































TABACARIA MÓNACO
Largo do Rossio, Nº 21 - Lisboa
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No tempo em que se escrevia Cintra com C, foi inaugurada no Rocio (também era assim que se dizia) por Júlio Cruz, a Tabacaria Mónaco. Contam os ardentes folhetins da época que, só no dia da inauguração (1 de Agosto de 1894), se juntaram ali cerca de 4000 senhores de chapéu alto e bigode (mais que na abertura do próprio parlamento, o que não choca por aí além o português suave).

A pena dos jornalistas não fazia floreados sobre a efeméride, fazia autênticos bouquets que não resisto a copiar… Ora lê-de bem…

“A Mónaco abre hoje n’um pé de sumptuosidade que faz o seu parenthesis de luxo nesse arruamento esquerdo do Rocio.”

Era aqui (nesse parenthesis) que vinham, e vêm ainda, os que se dão à cavaqueira, depois da leitura dos jornais, enquanto fumam o tabaquinho, a cigarrilha e o bom charuto. Mas além da fama, a Casa Mónaco, era e é um sítio cheio de segredos (voltemos à deliciosa imprensa) …

“O tecto é um fresco de Ramalho, bordado num desses momentos azues do rien faire.”

Apesar da expressão ser francesa, eu cá desconfio que isso do rien faire só pode ser coisa inventada aqui na pátria. De facto, o tecto em abóbada mostra, ainda hoje, um belo lusco-fusco rasgado por andorinhas loucas, típico das tardes de Verão ali no Adamastor. Mas não se pense que o pintor António Ramalho foi o único personagem do famoso Grupo do Leão (e não é eufemismo para Sporting) que espalhou talento pela Mónaco, vejamos…

“Os azulejos são uma humurada de rãs fumistas.” Que é como quem diz, umas fábulas à La Bordallo Pinheiro (vindas directamente das Caldas), onde garças e rãs lêem jornais, dançam, brincam às touradas e fumam quase tudo. Também do Bordallo são as andorinhas nos fios telegráficos. Fios telegráficos?! Sim, há que dizer que a Mónaco tinha, para euforia da clientela mais sofisticada, um dos primeiros telefones ligado à rede geral…

Mas as pérolas continuam. Para além do busto do príncipe do Mónaco, há três estatuetas em cima do balcão. A mais curiosa fica no meio e retrata uma velhinha que leva na mão uma candeia (que antigamente tinha sempre uma chama para se acender o cigarro), acompanhada por um gatinho, cuja cauda é uma pequena guilhotina para se cortar o charuto… Disto, meus amigos, não se apanha no IKEA! E o melhor é que a Mónaco tem ainda uma bica (agora seca) que chorava águas de Cintra, de Caneças e de Moura, o que dava um jeitão quando não havia, entre nós, a arte da canalização.

Além desta caixinha de surpresas, podemos ainda encontrar o melhor da imprensa nacional e estrangeira, variados souvenirs e todos os acessórios inerentes ao vício do fumo (experiência, aliás, tão mística que até às pontas chamamos beatas). Para nos receber e bem, lá está o atencioso Sr. Carlos Oliveira (o patrão) e o Sr. Tomé Repas, sempre a sorrir atrás do balcão (que ainda se escreve com C, como nos bons velhos tempos).













segunda-feira, 3 de junho de 2013


A MARIAZINHA
Av. do Rio de Janeiro, Nº 25B - Lisboa
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Alvalade nem sempre é bola. Alvalade é muito chá, é Conchanata (épica gelataria, ó gentes juniores, nada a ver com Havaianas), é chamar aos talhos boutiques de carne, é haver mais farmácias que cafés, é usar caderneta para ir levantar a pensão, é pôr laca cabelo-sim-cabelo-não, é andar de olho nos diabetes (e como o tesouro nunca anda muito longe do dragão), é onde está a Tentação… n’A Mariazinha.

A Mariazinha é a mina das guloseimas. É o Shangri-lá da Avózisse. É onde as ditas vão encher a gaveta das maravilhas, a dispensa mágica. É onde as mães-das-mães vão levantar o ouro açucarado com que subornam a criançada neta…

É vê-las chegar e pedir mancheias de rebuçados a trazer na malinha, para adoçar a boca que diz mal da vizinha, e pacotinhos daqueles bombons às cores com recheio (que antigamente não havia cá moncherries nem ferrerosrochêz) para pôr lá no frasquinho eternamente cheio, que mora em cima da mesa. É aqui que elas vêm buscar moedas de ouro para premiar boas notas, sombrinhas de chocolate para intempéries emocionais, rebuçados Diamante (daqueles enormes que até fazem aftas) e rebuçados de fruta (cujo papel lambido vira tatuagem), mas também é aqui que vêm comprar sacos com 3 kilos e quinhentas de rebuçados peitorais (designação curiosa ou publicidade enganosa?!) Dr. Bayard, para curar Invernos passados ao calorífero...

Enfim, tudo o que prometa momentos felizes e uma vida em dentistas mora aqui, mas não é por isto que A Mariazinha é famosa desde 1957….

Chás, cafés e farinhas. Eis o ouro da casa prometido pelos antigos reclames que quase cantam: “Só o bom café nos dá prazer e alegria”, “Só o bom chá nos conforta e delicia”. Estes mostram bem o que é preciso para se ter uma vida airosa e, se dúvidas houvesse, ainda explicam: “Só nos delicia o que bem nos sabe”. Mais palavras para quê? Só temos que ir na conversa e pedir ao Sr. Paulo que nos ajude a escolher um cházinho para molhar uma das 10 variedades de biscoito, ou uma mistura de café Mariazinha (diz que melhor não há!) para abrir a pestana ao avô quando estiver a tentar seguir a bola na Tv…

- Ó menina, e as passinhas? Não se esqueça das passinhas para a passagem de ano.

É verdade, já me esquecia de dizer, A Mariazinha também tem tudo o que vale a pena comer seco e murcho. Da Noz do Chile à Castanha do Maranhão, da Abóbora Cristalizada à Amêndoa Torrada ou Palitada, passando pelas Passas do Algarve que afinal são de Málaga. O que é importante é passá-las. E para o ano há mais...
































domingo, 2 de junho de 2013


FERRAGENS GUEDES SILVA & GUEDES
Rua Portas de Santo Antão, Nº32 - Lisboa
Não vos consigo desvendar o mistério insondável que paira à volta dos pés animalescos daquelas banheiras antigas e de certo mobiliario que herdámos de casa daquela tia-avó que não gostava que andássemos a correr nos corredores (como se não fosse mesmo para isso que eles foram feitos...) mas posso-vos segredar ao ouvido em que loja podem encontrar aquela pata que falta ao vosso aparador perneta.

Se vos dissesse que sabia de onde vem esse hábito da aldraba feita mãozinha que bate à porta, seria eu a aldrabona, mas já não minto quando vos revelar em que porta devem bater para a arranjar.

Guedes Silva & Guedes é a mitica loja onde se pode encontrar tudo aquilo a que nos habituámos a pôr a mão para conjugar verbos como abrir, fechar, puxar, empurrar e pendurar. Orgulhosamente aberta desde 1922, esta loja de ferragens tem tudo o que brilha sem ser ouro: chaves, fechaduras, batentes, argolas, números de porta, puxadores, dobradiças, maçanetas, escudetes e por ai fora, em tons dourado ou prateado.

Mas o melhor da loja não se vê à primeira vista, quem conseguir passar pela primeira sala encontra um labirinto digno de lendas, onde pode descobrir a rica fechadura original do Teatro D.Maria II, o estilizado puxador do (cinema) Éden, entre milhares de tesouros escondidos dentro de caixinhas espalhadas por várias salas. Para ter acesso a este universo, só tem que perguntar ao jovem aprendiz Pedro, onde se encontra o mestre Fernando, um engenhoso faz-tudo, bonacheirão e benfiquista. Só ele lhe pode desvendar os incriveis segredos dos pézinhos e das mãozinhas, enquanto passa a correr pelos corredores... como deve ser.


































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